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Alagoas 200 anos: Alagoas e a batalha da memória: o que vai ser contado às gerações futuras?

05/05/2015

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Entrevista com o historiador Osvaldo Maciel (UFAL), realizada pelo jornalista Odilon Rios (Extra-Alagoas) - íntegra da entrevista (disponibilizada pelo entrevistado)

 

1. Em que situação Alagoas aparece em sua obra?

 

Minha obra ainda engatinha, é pequena, porém penso que já posso sinalizar o desenho de Alagoas que está sendo esboçado por minhas pesquisas, pela minha atuação e pelo que escrevo.Inicialmente, avalio que Alagoas está absolutamente integrada de forma irreversível à economia mundial, portanto -me utilizando de uma hipótese do revolucionário russo Leon Trotsky - ela é produto de um desenvolvimento regional necessariamente desigual e combinado da dinâmica do capitalismo contemporâneo.Um segundo traço de minha Alagoas é a de que sua escrita é lacunar. A identidade alagoana é muito associada à água, e isto faz com que não raras vezes se afirme que Alagoas é lagunar, algo que se espelha em seu próprio nome. Para mim, esta leitura é parcial. Parece-me ser mais produtivo afirmar que Alagoas, sua história e a teoria social que se debruça sobre ela, é lacunar,cheia de buracos, crateras, vazios que precisam ser entendidos, pesquisados etc. Por fim, um terceiro aspecto que julgo importante para entender Alagoas em minhas pesquisas, é o fato de ser uma Alagoas proletária, vista pela história debaixo, das classes e grupos subalternizados, com uma premissa clara que termina produzindo uma abordagem mais ampla: Alagoas é mais terra dos quilombolas, dos caetés e dos revolucionários que dos marechais, das oligarquias e dos que pretendem conservar as coisas como estão!

 

2. Como as relações sociais e econômicas da cana de açúcar ajudaram a construir o nosso "alagoano cordial"?

 

Penso que aqui você está,tomando o todo (que é o Brasil) por uma de suas partes, Alagoas, e reproduzindo em escala diminuída a tese do homem cordial brasileiro, do Sérgio Buarque de Holanda, para o caso alagoano. Avalio que há limites na tese do notável professor, porém não vem ao caso debater tais problemas aqui. De toda forma, sua pergunta me permite fazer um paralelo entre os dois casos, o de Alagoas e do Brasil. Para o caso brasileiro, em Raízes do Brasil, SBH avalia que em algum momento entre as décadas de 1920 e 1930 o modelo da pessoalidade, da gestão da barganha, da privatização das esferas públicas, estaria em fase de superação, e que um Estado ampliado, com uma burocracia e a possibilidade de discussão de projetos em termos mais criteriosos, estava ocupando o espaço central na sociedade brasileira que se modernizava, etc. Para o caso de Alagoas, há de ajustar os ponteiros históricos do nosso relógio. Dirceu Lindoso afirma que o século XX inicia-se apenas em 1912, com o quebra dos terreiros. Eu serei mais incisivo ainda. Para mim, pensando no século XX como o século do estabelecimento da democracia ocidental em boa parte dos países do globo; o século de uma preocupação básica com o chamado estado de direito e os amparos legais à cidadania, este século não cumpriu sua tarefa em Alagoas, passou de lado,e não parou para fazer mais do que ma visita; é como se tivéssemos passado em branco por um século inteiro. Neste sentido, as relações sociais e econômicas dominantes no estado reproduzem um padrão de sociabilidade arcaica,manifestamente clientelista e coronelista, eivada de pessoalidade, ou seja,muito cordial no sentido utilizado por Sérgio Buarque, e portanto, nada cordial em seu sentido comum, cotidiano. É nesta ambiguidade do termo que a política do favor vira, talvez, a principal moeda de troca de nossa sociedade. E esta “cordialidade” é extremamente perversa para a maioria da população, pois impõe o duro julgo justamente ao que se disfarça de protetor.

 

3. Em seu livro"Trabalhadores, identidade de classe e socialismo: os gráficos de Maceió(1895-1905), o senhor diz que a elite alagoana matava seus líderes operários pela vigilância que sufocava suas atuações e desqualificando ou esquecendo seus nomes depois de enterrados. Alagoas ainda se permite esquecer de sua memória?

 

Claro que sim! Toda memória carrega, por definição, esquecimento, porque é impossível memorizar ou lembrar tudo, em todos os detalhes, como ocorria com o famoso personagem de Jorge Luis Borges, Funes. Toda memória é também omissão! Neste sentido, o Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, uma de nossas principais casas de memória, é também uma produtora de esquecimentos, pois as lideranças populares se vêem pouco representadas e guardadas naquela instituição. Nada mais natural! Alagoas é habitada por classes e interesses políticos não só distintos, mas também antagônicos. Neste sentido, há grupos dirigentes que querem esquecer uma determinada Alagoas. Eles têm realizado uma operação do silêncio sobre várias camadas do passado e, pelo contrário, num processo seletivo bastante conveniente, monumentalizam personagens de nossa história, projetando heróis na memória oficial que terminam se plasmando, em parte, na cultura popular também. A classe dominante em Alagoas (ou seja, antigamente, os senhores de engenho, os escravistas, e agora os usineiros mas também os latifundiários, grandes empresários e pecuaristas, financistas etc.) não se contenta em combater cabanos, índios e operários na vida concreta, cotidiana. Mais do que istos,também precisa vencer a batalha da memória, do que vai ser contado para as gerações futuras. Todo historiador que possui compromisso em modificar o difícil quadro social em que vivemos, o perverso estado de coisas que nos rodeia, deve ter ciência de combater também no plano da memória. Neste sentido, junto com vários outros novos historiadores, tento recuperar em minhas pesquisas, a figura dos verdadeiros heróis populares pouco lembrados ou nunca citados, contribuindo para a construção de uma outra memória, democrática,insubmissa, que seja crítica das mazelas sociais que nos forjou.

 

4. A memória sindical de hoje consegue identificar seus heróis mais próximos de Deodoro ou de um líder operário como João Ferro?

 

Infelizmente, pela argumentação que expus na resposta anterior, os trabalhadores em geral e mesmo as lideranças operárias e sindicais se contagiam com esta memória oficial (alguns sindicatos inclusive são verdadeiras chapas brancas dos patrões,diga-se de passagem), e a reproduzem. Portanto, é preciso um projeto deformação sindical e popular, junto inclusive aos movimentos agrários que levante a possibilidade de construção desta memória alternativa, combativa, guerreira.

 

5. Qual imagem o alagoano tem de seu passado?

 

No geral, possui (ou projeta) uma péssima imagem de si. E isto está relacionado com uma série de questões, dentre as quais enumero as seguintes: A) a decadência do sistema público de educação e de formação cultural; B) a insistência em projetar uma memória oficial que pouco (ou nada) dialoga com a vida das pessoas comuns, dos sujeitos de carne e osso que labutam, amam e sofrem todos os dias; C) a ainda pouca expressividade de uma historiografia alternativa para se entender nosso passado sobre outras perspectivas que não a da Casa Grande ou a do Palácio dos Martírios.

 

6. O senhor diz que nossa história durante anos foi contada pelas oligarquias, que estavam "em cima". Em tempos de internet, quem conta a nossa história, hoje?

 

Blogs e sites de instituições culturais populares, de entidades e grupos críticos de nossa realidade produzem uma contranarrativa à grande fala dos vencedores, porém isto é algo ainda muito marginal, que não adentra no grande público, e que circula em espaços importantes, porém muito reduzidos. A classe dominante e seus veículos de comunicação ainda são os grandes ordenadores dos discursos que plasmam o imaginário comum da população alagoana. É necessário estimular as produções alternativas, porém é preciso deixar clara a força que, por exemplo,conglomerados midiáticos possuem na elaboração de um passado para Alagoas, pois este enquadramento do passado é parte importante de uma ideologia, ele justifica e naturaliza a existência do grave quadro social em que vivemos.

 

7. Quem são os heróis de Alagoas?

 

Triste o povo que precisa de heróis! Alagoas, pior ainda, precisa de traidores (como alguns interpretam afigura de Calabar, por exemplo), para justifica as opções do passado que terminaram gerando um presente de estagnação, de baixo desenvolvimento etc.
Na medida do papel histórico que cabe aos grupos e classes sociais ao longo de nossa formação, todos os alagoanos (mas não só estes, e sim também outros que viraram viventes das Alagoas) devem se corresponsabilizar pela história que possuímos e pelo presente em que vivemos. Assim, pensando que os que foram vítimas da opressão e da exploração, eram portadores de propostas mais generosas para nossa sociedade, para seu desenvolvimento socioeconômico e moral-intelectual, avalio que o verdadeiro herói de Alagoas é o sujeito anônimo, que forja-se no cotidiano, pisando o solo comum à muitos, com altivez e sem assombro, e que se une a inúmeros outros, forjando movimentos sociais, insurreições, demandas olímpicas, gerações aguerridas em vários momentos de nossa história.Eventualmente, estes processos históricos fazem surgir personagens que corporificam estes projetos coletivos, com traços heróicos – ora dramáticos,ora trágicos. De toda forma, penso que o mais importante nisto é avaliar o que está por trás de tais figuras, o que lhe dá força e envergadura para se erguer para além das pessoas comuns. É neste sentido que a heroicidade anônima me é mais atraente!

 

8. Quando chegará o fim da nossa história?

A história, por definição, não possui fim. Portanto, ele (o fim) nunca chegará a ocorrer, salvo em caso de uma hecatombe mundial, cujas possibilidades infelizmente já se apresentam no horizonte da humanidade. De toda forma, não penso ser razoável alimentar esta perspectiva catastrófica, discutindo ela com seriedade. Penso ser mais produtivo avaliarmos até que ponto este discurso do fim da humanidade pode servir para o exacerbamento de nosso hedonismo, da atmosfera preguiçosa, do não engajamento em causas pelas quais vale a pena viver. Este discurso trágico termina servindo para alimentar a passividade, e portanto contribui para minarpor vezes a indignação e as forças de renovação dos combatentes das novas gerações.

 

9. Quem venceu em Alagoas?Usineiros ricos e falidos, o povo que ainda espera Dom Sebastião ou quem conseguiu sair de Alagoas?


Nem esse, nem aquele, nem aquele outro! Alagoas ainda está em disputa, viva, radiante, esperançosa de ser mais do que é, ou do que o que se lhe impõe! Algumas batalhas já foram realizadas, ocorreram algumas vitórias e derrotas para ambos os lados, mas sempre foram parciais, por mais que tenhamos a impressão de que não vale à pena lutar mais. Esta, sim, seria uma grande derrota! E a grande maioria do povo vence fácil a dura e renhida batalha cotidiana pela sobrevivência, provando que ainda não há vencedores. Cabe a nós contribuirmos para que a luta de classes ganhe uma outra dinâmica, popular, multitudinária, revolucionária, no espaço circunstanciado em que seu pois a ser criada a tal das Alagoas.

 

http://www.extralagoas.com.br/noticia/17143/esta-semana-nasbancas/2015/04/30/osvaldo-batista-acioly.html

 


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