15/09/2013
Ouvir relatos de quem já foi vítima de assalto pelas ruas
da alguns bairros periféricos de Maceió, testemunhou homicídio ou sofreu
intimidações virou rotina, coisa corriqueira. Não são poucas as comunidades que
sofrem com a falta de alguns serviços básicos e essenciais por conta da
violência. Neste contexto, o bairro da Pitanguinha e o conjunto Virgem dos
Pobres vivem situações extremas onde nem os carteiros ficam livres da onda de
insegurança que assombra os moradores.
Quem vive ali foi condicionado a ter dia e hora marcada
para receber correspondências e encomendas pelos Correios: aos sábados, sempre
pela manhã. A medida foi adotada a fim de preservar os profissionais que eram
presas fáceis em assaltos ou acabavam sendo testemunhas de crimes.
E quem acha que mesmo aos sábados os carteiros fazem as
entregas tranquilamente está enganado. Antônio Richarles, gerente de atividade
externa dos Correios, explicou que nessas duas regiões os funcionários não vão
sozinhos. É montado um grupo que dá cobertura ao carteiro que vai de casa em
casa entregar as correspondências.
“Ninguém vai a pé sozinho mesmo no sábado de manhã, que é
um horário mais tranquilo. Eles vão de carro, pelo menos três carteiros descem
do veículo e dois ficam dando suporte àquele que vai bater na porta da casa
para entregar a encomenda. Foi essa a alternativa que encontramos para poder
trabalhar nessas áreas violentas”, observou.
A situação chegou a um nível tão intolerável, que foi
preciso pedir suporte ao serviço de inteligência da Polícia Federal para tentar
resolver a situação. O trabalho consiste em mapear as áreas violentas da cidade
e traçar estratégias de trabalho para os profissionais.
“É um trabalho sigiloso, mas que acontece porque chegou
ao ponto do carteiro se recusar a ir entregar carta nessas duas áreas. Para que
não aconteça coisa pior com eles, estamos trabalhando com um serviço de
investigação para tentar minimizar as ocorrências”, afirmou.
Testemunhas da violência
O medo também acompanha quem precisa percorrer as ruas e
bater de porta em porta para entregar as encomendas. O TNH1 conversou com um carteiro que entrega
em alguns conjuntos do Trapiche há mais de cinco anos, mas que pediu para não
ser identificado. Ele relatou que a violência cresceu nos últimos anos na
região. Além de testemunhar crimes, ele acompanhou o crescimento do número de
adolescentes envolvidos em crimes.
O trabalho, conta o carteiro, é feito de forma rápida,
sem conversa com os moradores, nem para pedir informação. A única coisa que ele
leva é a bolsa com as encomendas a serem entregues. Relógio, celular, aliança e
qualquer outro objeto são deixados em casa para evitar assaltos.
Contudo, mesmo após ter presenciado uma troca de tiros
entre policiais e criminosos e por pouco não ter visto uma tentativa de
homicídio, o carteiro afirma que não pretende abandonar a função.
“Tem duas cenas que jamais vou esquecer. Uma vez cheguei
para entregar no Dique Estrada e vi as pessoas correndo. Logo em seguida, a
polícia chegou e houve troca de tiros com os traficantes. Há dois anos eu
também estava a serviço quando vi dois adolescentes passarem armados por mim
dizendo que eu fosse embora. Pouco tempo depois ouvi os disparos. Ao chegar na
outra rua, vi uma mulher baleada. Foi uma das piores coisas que já presenciei.
É perigoso, mas tenho uma família para sustentar", ressaltou.
A situação vivida pelos carteiros nas duas áreas acontece
há pelo menos quatro anos, segundo dados do Sindicato dos Trabalhadores dos
Correios de Alagoas (Sintect-AL). O órgão afirma que alguns funcionários já até
pediram para ser afastados e nunca mais conseguiram voltar ao trabalho depois
das cenas que presenciaram.
“Teve carteiro que ficou abalado psicologicamente após
ser testemunha de um homicídio na região do Dique Estrada. Outros já foram
intimidados por traficantes e obrigados a entregar a bolsa e fugir para que não
acontecesse coisa pior”, disse o presidente do Sintect-AL, Altannes
Holanda.
A decisão de suspender a entrega diária nas regiões não
agrada o sindicato. Para eles, falta policiamento e apoio operacional aos
carteiros. Holanda afirma ainda que as agências e os funcionários que fazem
entregas motorizados são alvo fácil de assaltantes, mas que pouca coisa é feita
para resolver o problema.
“Pelos números de ocorrências, notamos que há um rodízio.
Ultimamente não estamos registrando assaltos a carteiros que entregam a pé, mas
o número de assalto a agências e aos profissionais motorizados aumentou. Já
enviamos um ofício à Polícia Militar cobrando reforço na segurança e esperamos
que as coisas melhorem”, ressaltou.
“O maior medo dos carteiros não é ser assaltado. É ser
vítima de bala perdida ou acabar morrendo por estar passando em algum lugar
onde esteja acontecendo uma briga entre traficantes ou crimes”, completou
Holanda.
Se os Correios não entregam, o jeito é ir buscar
Andar pelas ruas do Dique Estrada e Virgem dos Pobres não
é fácil. Muitos moradores olham de forma assustada para a imprensa. Conversar
por vezes é um desafio. Após andar por algumas ruas, não foi difícil confirmar
a informação de que os Correios não conseguem chegar no local.
Dona Maria Madalena Cerqueira, de 62 anos, mora há 11 em
uma das ruas do conjunto e conversou com o TNH1 sobre a rotina da comunidade. Após passar
algum tempo tendo que ir às lojas buscar as faturas ou até à central de
distribuição dos Correios para receber as encomendas, ela agora espera
pacientemente os carteiros passarem por sua casa aos sábados pela manhã.
“Tem vezes que eu nem saio só para esperar chegar fatura
e encomenda. Se eu não estiver em casa, terei que ir até o Correio buscar. É
longe e perigoso vir com coisa grande na mão”, disse.
A casa dela fica a poucas ruas da sede do 1ºBatalhão da
Polícia Militar, mas ela afirma que a sensação de insegurança ainda é forte
entre os moradores. “Minha casa foi assaltada há um mês. Eles roubaram os
cadeados do portão e aproveitaram que ninguém viu e levaram a bicicleta do meu
sobrinho que estava na garagem”, contou.
Apesar disso, a comunidade é tida como pacificada pela
segurança pública. Foi neste mesma região, aliás, que se iniciaram, em junho de
2012, as ações do plano Brasil Mais Seguro. Na ocasião, o secretário de Defesa
Social, Dário César, e a secretária nacional de segurança pública, Regina Miki,
acompanharam de perto a primeira operação na área.
Pouco mais de um ano após a visita dos secretários,
alguns moradores reclamam que o clima é tenso na região. Um deles, que preferiu
não se identificar, relatou que na rua onde mora os profissionais também não
fazem entrega. “Teve uma vez que um carteiro foi assaltado e saiu correndo com
medo de que acontecesse coisa pior. Na minha casa as cartas chegam, mas tem
vizinha na minha rua que tem que ir aos Correios buscar as encomendas”, disse.
Link com o Ciods
O coronel Neuton Bóia, Comandante de Policiamento da
Capital (CPC) disse ao TNH1 que tem conhecimento da situação nas
duas áreas da capital, mas que deslocar um efetivo para acompanhar os carteiros
durante as entregas nem sempre é possível.
A alternativa dada foi disponibilizar à empresa uma
espécie de “linha direta” com o Centro Integrado de Operações da Defesa Social,
o Ciods. Em caso de suspeita de assalto ou ameaça aos carteiros, há um número
de contato direto aos oficiais de plantão, que registram a ocorrência e
deslocam uma equipe para o local.
“Estivemos reunidos com a direção dos Correios há cerca
de um mês e ficamos cientes da situação. Não temos condições estruturais de
disponibilizar um efetivo para cada equipe dos Correios que está em trabalho. O
que podemos fazer é monitorar os locais e intensificar as rondas”, disse o
comandante do CPC.
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