19/04/2010
(Agamenon Magalhães Júnior)
É fato: o trabalho dignifica o homem. Não só porque lhe dá sustento e dignidade, mas também uma sensação de utilidade para si e para a sociedade.
Quando se pensa em países civilizados, aponta-se para os que dão oportunidades aos cidadãos. Essa corrente não se quebra: investimento em educação proporciona profissional preparado; o profissional é requisitado pelo mercado e logo consegue salário proporcional à sua capacidade.
Tenho alguns amigos que rejeitaram boas propostas de trabalho porque preferiram a situação em que se encontravam por pura ideologia. O extraordinário salário às vezes não é tão importante quanto o prazer íntimo de fazer o que se gosta, mesmo ganhando bem menos.
O filósofo francês Voltaire escreveu: “O trabalho afasta de nós três grandes males: o tédio, o vício e a necessidade”. Completo esse pensamento com uma passagem belíssima de Gibran: “O trabalho é o amor feito visível. E se não podeis trabalhar com amor, mas somente com desgosto, melhor seria que abandonásseis vosso trabalho e vos sentásseis à porta do templo a solicitar esmolas daqueles que trabalham com alegria”.
Interessante notar como essas duas sentenças, de filósofos tão diferentes, completam-se numa harmonia incrível. Se o trabalho pode nos oferecer segurança financeira, também deve nos proporcionar satisfação, pois somente aqueles que se alegram com a atividade com que se ocupam são, de verdade, felizes e realizados.
Quem nunca soube de história de alguém que foi pessimamente atendido por um médico mal-humorado ou insatisfeito com a própria profissão porque já não tinha mais forças para se renovar e, por isso, vivia descarregando toda essa frustração pessoal em seus pacientes? Quem nunca enfrentou aquela fila quilométrica em banco para quitar contas e se deparou com um caixa aborrecido com a vida, pronto para lançar as pragas do Antigo Testamento nos coitados dos clientes?
As duas perguntas, de respostas óbvias, exemplificam o número de “profissionais” com que convivemos diariamente. Que eles se reciclem ou mudem de atividade. Que deixem o que estão fazendo e se postem às portas do cemitério, para cuidarem dos que estão mortos. Talvez essa atividade lhes faça algum bem, pois o contato deles com pessoas (vivas) não interessa à sociedade.
Dia desses, um aluno meu muito inteligente veio conversar comigo sobre as suas incertezas em relação à carreira com a qual sonhava. Deixei-o falar sobre as próprias qualidades e ele foi aos poucos traçando um perfil de si mesmo. Disse a mim que os pais gostariam que ele fizesse Direto, pois a carreira já fazia parte da tradição da família há duas gerações. No final da conversa, deixou escapar que não tinha muito a ver com leis e que a pressão sofrida por ele o fazia meio infeliz. Por fim, confessou-me que no fundo sonhava em ser “desenhista”, isso o deixava conectado com o mundo; mas tinha medo do preconceito da própria família, de não conseguir sobreviver com esse trabalho ou de ser visto como um fracassado.
Eu lhe observei que o cartunista Ziraldo não passa fome, é respeita pelo que faz e se sente muito feliz.
É melhor ser um desenhista respeitado do que um médico sem crédito na sociedade. Bem melhor é ser faxineiro feliz com que se faz do que um político sem vergonha na cara. Mais veneração cabe a um vigilante de cemitério satisfeito com seu ofício do que a um professor que vive de mau-humor porque não aguenta mais a profissão.
(O Jornal, Maceió, sábado, 17 de abril de 2010)
Colaboração: James Magalhães/Secretário de Comunicação/Sintect-AL